O BOSÃO DO JOÃO – Rui Malhó
(Alguns dos poemas aqui reproduzidos não estão completos)
Poema da Árvore - ANTÓNIO GEDEÃO
As árvores
crescem sós. E a sós florescem.
Começam por ser nada. Pouco a
pouco
se levantam do chão, se alteiam
palmo a palmo.
Crescendo
deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas
multiplicam-se.
Depois, por entre as folhas, vão-se
esboçando as flores,
e então crescem as
flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes
preparam novas árvores.
E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem,sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de
noite.
Sempre sós.
Os
animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem
amor e ódio, e vão á vida
como se nada fosse.
As árvores não.
Solitárias,
as árvores,
exauram terra e sol
silenciosamente.
Não pensam, não
suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se
implorassem;
com o vento soltam ais como se
suspirassem;
e gemem, mas
a queixa não é sua.
Sós, sempre sós.
Nas planícies,
nos montes, nas florestas,
a crescer e a florir sem consciência.
Virtude vegetal viver
a sós
e entretanto dar flores.
Romance ingénuo
de duas linhas
paralelas... - JOSÉ FANHA
Duas linhas
paralelas
Muito
paralelamente
Iam
passeando entre estrelas
Fazendo o
que estava escrito:
Caminhando
eternamente
De infinito a infinito.
Seguiam-se
passo a passo
Exactas e
sempre a par
Pois só num ponto do espaço
Que ninguém sabe onde é
Se podiam
encontrar
Falar e
tomar café.
Mas farta de andar sozinha
Uma delas, certo dia
Virou-se para
a outra linha
Sorriu e
disse-lhe assim:
"Deixa
lá a geometria
e anda aqui
p'ro pé de mim..."
Diz a outra: "Nem pensar!
Mas que falta de respeito.
Se quisermos lá chegar
Temos que ir devagarinho
andando sempre a direito
Cada qual
no seu caminho!"
(…)
Lágrima de preta - ANTÓNIO GEDEÃO
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei
vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me
o que é costume:
Nem sinais de negro,
nem
vestígios de ódio.
Água
(quase tudo)
e cloreto de sódio.
Sábio e o que
se contenta com
o espectaculo
do mundo – RICARDO REIS
Sábio é o que se contenta com o espectáculo do mundo,
E ao beber nem
recorda
Que já bebeu
na vida,
Para quem tudo
é novo
E imarcescível sempre.
Coroem-no pâmpanos,
ou heras, ou rosas volúteis,
Ele sabe que a vida
Passa por ele e tanto
Corta à flor como a ele
De Átropos a tesoura.
Mas ele sabe
fazer que a cor do vinho esconda isto,
Que o seu
sabor orgíaco
Apague o gosto às horas,
Como a uma voz chorando
O passar das bacantes.
E ele espera,
contente quase e bebedor tranquilo,
E apenas desejando
Num desejo mal tido
Que a
abominável onda
O não molhe tão cedo.
Reconhecimento
à Loucura - ALMADA NEGREIROS
Já alguém sentiu a loucura
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a
forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos
no pensamento?
Também.
E às vezes
parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo
do soneto de Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois
mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor
do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz
seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos
empurrados pelos rins
na aula de
descer abismos
e fazer dos
abismos descidas de recreio
e covas de
encher novidade?
E de uns
fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer
frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-lhe, e ganhar-lhe
a ponto do impossível
ficar possível?
E quando tudo
parece perfeito
poder-se ir
ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que
julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda
mais uma maneira pra tudo?
(…)
Ed. BY THE BOOK
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